Assembleia é bem mais ‘global’ do que a que elegeu o papa Francisco em 2013. Saiba quais critérios devem ser usados pelos votantes.
O conclave, marcado para começar nesta quarta-feira (7), reúne 133 cardeais, de 70 países diferentes, para eleger o sucessor do papa Francisco, morto em 21 de abril. Especialistas ouvidos pelo g1 afirmam que, a partir da análise dos perfis de todos os votantes, é possível traçar comparações com a política brasileira:
- O “Centrão” (cardeais “em cima do muro”) é que terá mais força na escolha do novo papa.
- Mas, ao contrário de uma eleição para presidente da Câmara dos Deputados, os “grupos” devem ser formados ao longo da assembleia, porque a maioria dos religiosos ainda não se conhece.
E, diferentemente do que se possa imaginar, a votação:
- não será um “Fla x Flu” entre progressistas e conservadores — o processo dificilmente será pautado por posicionamentos a respeito de aborto ou apoio à população LGBTQIA+, por exemplo;
- a disputa não será um campeonato entre nações (outros critérios além da nacionalidade provavelmente falarão mais alto)
Os cardeais são pessoas muito independentes: cada um é como um ‘senhor feudal’ dentro da sua diocese”, afirma Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo especialista em religião e ex-coordenador do departamento de fé e cultura da PUC-SP.
Entenda abaixo o que deve ser levado em conta pelos votantes durante o conclave.
🕊️Por que a votação não é um ‘Fla x Flu’ de conservadores e progressistas?
No noticiário de política, estamos acostumados a analisar um grupo de votantes sob a ótica de seus posicionamentos ideológicos. No entanto, no caso do conclave atual, dificilmente será esse o critério que pautará a decisão de cada cardeal.
“Existe uma polarização: um grupo vai querer radicalizar e acelerar as propostas de Francisco, enquanto outro desejará um retrocesso do que foi decidido pelo último papa. Mas esses extremos não têm força para decidir o resultado. São grupos minoritários”, afirma Ribeiro Neto.
Abaixo, veja o que é polêmico e avançou ou permaneceu com Francisco (os 5 primeiros pontos são mais progressistas, e os 2 últimos, mais conservadores):
- a acolhida aos casais em situações consideradas irregulares(divorciados em segunda união, convivendo sem estarem formalmente casados) e à comunidade LGBTQI+;
- o acolhimento dos mais pobres não por assistencialismo, mas como compromisso com a transformação social;
- a maior presença das mulheres nas instâncias decisórias da Igreja;
- a busca pela sinodalidade em todos os níveis da instituição (maior participação de toda a comunidade na tomada de decisões);
- a permissão da missa em latim apenas com anuência do bispo (para evitar o nascimento de “seitas” no interior da Igreja);
- a condenação à “ideologia de gênero” (vista como uma propaganda ostensiva para que as pessoas se assumissem como homossexuais);
- a manutenção do sacerdócio católico romano nos termos atuais(celibatário e aos homens).
Os mais conservadores querem:
- a condenação explícita às situações “irregulares” (a acolhida só deve ser permitida após uma “conversão dos costumes”);
- o cuidado com os pobres apenas como uma política assistencialista, desvinculada da transformação social.
- a menor participação da comunidade na tomada de decisões, retomando uma Igreja mais hierárquica;
- a volta ao rito tridentino (pré-concílio, normalmente celebrado em latim) como liturgia preferencial da Igreja;
- um menor reconhecimento das religiões não católicas —permaneceria o diálogo, mas considerando explicitamente que são crenças não verdadeiras (atualmente são vistas como manifestações imperfeitas da verdade).
Só que, como explicado por Ribeiro Neto, os “extremos” são parcelas minoritárias. Quem realmente deverá pautar o resultado é o “Centrão” (usando uma analogia com a política brasileira): cardeais moderados, com diferentes posicionamentos políticos.
“Alguns vão ter um compromisso maior com as relações homoafetivas, enquanto outros terão medo desse tema. Mas, no conjunto, eles estão unidos pelo mesmo objetivo: promover avanços cuidadosos, mantendo a unidade da Igreja”, diz o docente.
Essa mentalidade tem total relação com o contexto global. No conclave que elegeu o papa Francisco, a crise era maior e esperava-se alguém que desse um caminho para a instituição. “Agora, ninguém vai querer inventar a roda nem promover mudanças radicais. Por isso, as diferenças entre progressistas e conservadores pouco importarão.”
⛪O que realmente vai pautar as escolhas dos cardeais, então?
Serão três pontos fundamentais:
- Abertura ou resistência a riscos: cardeais mais prudentes, que promovam uma continuidade ao que estava sendo feito por Francisco, devem levar vantagem.
- Espiritualidade: tem maior chance aquele candidato que demonstra ser mais espiritualizado e menos “mundano”.
- Transparência: provavelmente, aqui há um consenso, e todos devem defender decisões mais claras e abertas dentro da instituição.
➡️É importante lembrar que a maioria dos cardeais votantes não se conhece — com exceção dos que já têm algum cargo no Vaticano, o restante não faz ideia do trabalho feito pelo seu colega em outro país. Por isso, o momento do conclave em que os membros podem se pronunciar é tão decisivo: será a oportunidade de cada um mostrar que tem a capacidade de responder aos desafios atuais da Igreja.
É isso o que define o voto de um cardeal. Todos estão procurando alguém que faça com que a igreja universal seja mais tranquila. Se os votantes virem que um cardeal identifica os mesmos problemas que eles próprios veem na instituição, essa pessoa terá mais chances de ser eleita. Não é uma questão de votação ideológica ou doutrinal. É de percepção”, diz Ribeiro Neto, sociólogo especialista em religião.
“Alguém precisaria terminar o trabalho de Francisco. Ou seja, estão procurando um avanço seguro neste momento. Mesmo quem fazia oposição ao papa sabe que reforçar as diferenças seria algo danoso para a instituição que busca ser ‘Una Santa Católica’. A unidade é importante”, complementa.
Para o historiador Gian Luca Potestà, professor da Universidade Católica de Sacro Cuore, em Milão, o desafio do próximo conclave será justamente encontrar este equilíbrio.
“Não acho que será eleito alguém que continue integralmente a linha de Francisco, mas também não acredito que veremos alguém completamente contrário a ele, como foi, em certos aspectos, o cardeal Müller, da Alemanha”, analisa.
A tendência, diz o historiador italiano, é por um nome que “mitigue algumas das aberturas feitas, mas sem reverter totalmente a direção do pontificado atual”.
Na história da Igreja, já houve movimentos de avanço e retrocesso. Mas, hoje, acho difícil um retorno ao ado, principalmente pelo estilo que Francisco imprimiu à imagem da Igreja no mundo.”
✝️Quais as características principais dos 133 cardeais?
Veja abaixo um raio-X desse grupo de clérigos — que já é considerado o mais diverso da história recente na Igreja Católica: